segunda-feira, 4 de abril de 2011





































Fernando Pessoa

Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlaçemos as mãos).

Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para o pé do Fado,
Mais longe que os deuses.

Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente.
E sem desassossegos grandes.


Existe uma Criança em Você – Podemos observar como as crianças são simplesmente seres humanos de pura inocência...

Se você vai ter o tempo,
Para olhar profundamente dentro e ver;
Seu coração ainda aparece na rima,
E anseia trata de chá.

Nunca magoar essa criança por dentro,
Ele pode crescer com você;
Para ganhar e explorar o mundo,
E dar amor a um gesto carinhoso.

Chamar a criança escondida,
Passeando na alegria frívola;
Incondicionado, indomado, selvagem,
Antes que seja hora de voltar, fugir.

“E fugir de quê?”, Você pergunta,
Bem, da ignorância cega;
Desenhado em cima da máscara falsa do inimigo,
Cobrindo grande parte da humanidade.

O interior da criança é a sua raiz,
Ela está lá abundantemete;
Para se ramificar em frutos florido,
E condenar o ódio e a desconfiança..."


"Todas as Vidas

Vive dentro de mim
uma cabocla velha
de mau-olhado,
acocorada ao pé
do borralho,
olhando para o fogo.
Benze quebranto.
Bota feitiço...
Ogum. Orixá.
Macumba, terreiro.
Ogã, pai-de-santo...
Vive dentro de mim
a lavadeira
do Rio Vermelho.
Seu cheiro gostoso
d'água e sabão.
Rodilha de pano.
Trouxa de roupa,
pedra de anil.
Sua coroa verde
de São-caetano.
Vive dentro de mim
a mulher cozinheira.
Pimenta e cebola.
Quitute bem feito.
Panela de barro.
Taipa de lenha.
Cozinha antiga
toda pretinha.
Bem cacheada de picumã.
Pedra pontuda.
Cumbuco de coco.
Pisando alho-sal.
Vive dentro de mim
a mulher do povo.
Bem proletária.
Bem linguaruda,
desabusada,
sem preconceitos,
de casca-grossa,
de chinelinha,
e filharada.
Vive dentro de mim
a mulher roceira.
-Enxerto de terra,
Trabalhadeira.
Madrugadeira.
Analfabeta.
De pé no chão.
Bem parideira.
Bem criadeira.
Seus doze filhos,
Seus vinte netos.
Vive dentro de mim
a mulher da vida.
Minha irmãzinha...
tão desprezada,
tão murmurada...
Fingindo ser alegre
seu triste fado.
Todas as vidas
dentro de mim:
Na minha vida -
a vida mera
das obscuras!..."

(Cora Coralina)


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